segunda-feira, junho 22, 2009

Analisar um Discurso II

Depois de seleccionar o discurso pretendido, a próxima etapa é a de analisá-lo criticamente. Como já foi dito, o discurso não precisa ser um longo texto e ele pode ser seccionado e a análise ser feita somente sobre uma parte. Não se esqueça de deixar isso claro no texto.

Por exemplo, irei usar um pequeno discurso:
Ao negar o desenvolvimento histórico do povo dominado, necessariamente nega também o seu desenvolvimento cultural. Compreende-se também porque é que a dominação imperialista, como qualquer outra dominação estrangeira, para toda sua segurança, exige a opressão cultural e a tentativa de liquidação directa ou indirecta dos elementos essenciais da cultura do povo dominado.
Amílcar Cabral, A arma da teoria. Unidade e luta I, Lisboa: Seara Nova, 1976

Para começar pode-se, resumidamente, falar da biografia e/ou bibliografia do autor do discurso e também da época em que o discurso foi escrito ou proferido. É importante situar o leitor no momento do discurso, pois muitos factores (sociais, políticos, culturais, etc.) inferem no fundo e na forma do discurso.

Contexto Histórico
EX: Este discurso que aparece no livro A arma da teoria. Unidade e luta I de Amílcar Cabral, foi escrito em meados da década de setenta, logo após a independência de Cabo Verde. Cabral, agrónomo de formação é o herói nacional e um dos grandes impulsionadores da luta, tanto armada como cultural do povo africano, procurava devolver ao seu povo o orgulho na sua cultura.
Cabo Verde, que esteve sob domínio colonial português até a sua independência em 5 de Junho de 1975, sofreu também culturalmente pois muitas das suas formas de expressão cultural – como o Batuko e a Tabanka – eram proibidas.


Durante a análise crítica deve-se procurar responder a certas perguntas:
O Sujeito
A quem se dirige o discurso? O autor fá-lo de uma forma explícita? O discurso é dirigido a um indivíduo, uma comunidade fechada ou à uma nação?

A Identidade
A identidade tem a ver com a origem social, género, classe, atitudes, crenças de um falante, e é expressa a partir das formas linguísticas e dos significados que esse falante selecciona.

EX: O discurso de Cabral é dirigido não somente ao seu povo que sofreu o domínio colonial, mas também ao próprio povo colonizador. Se Cabral queria que seu povo tomasse consciência da sua cultural extremamente rica, também ele queria que o colonizador tivesse noção dessa cultura, pois ele já havia afirmado que a sua luta não era contra o povo português, mas contra o regime.

Intertextualidade e Interdiscursividade
As categorias intertextualidade e a interdiscursividade analisam as relações de um texto ou um discurso, considerando outros que lhe são recorrentes. Os textos “respondem” a textos anteriores e, também, antecipam textos posteriores. É a propriedade que os textos têm de estar repletos de fragmentos de outros textos.

Análise Textual
Análise denominada de “descrição”. É a dimensão que cuida da análise linguística. A análise textual deve ser feita conjuntamente com as outras dimensões.

Determinar, através das estratégias de linguagem do discurso, as relações sociais (respeito, inimizades, racismo, amor, etc.) entre os participantes.
Coesão: Mostrar de que forma as orações e os períodos estão interligados no texto.
Verificar se tipos de processo [acção, evento...] e participantes estão favorecidos no texto, que escolhas de voz são feitas (activa ou passiva) e quão significante é a nominalização dos processos. Por exemplo, há motivação para escolher a voz passiva. Seu uso permite a omissão do agente por ser irrelevante, por ser evidente por si mesmo ou por ser desconhecido, mas, também, a omissão pode ter razões políticas ou ideológicas, a fim de ofuscar o agente, a causalidade e a responsabilidade.
Enfatizar as palavras-chave que apresentam significado cultural, as palavras com significado variável e mutável, o significado potencial de uma palavra, enfim, como elas funcionam como um modo de hegemonia e um foco de luta.
Caracterizar as metáforas utilizadas em contraste com metáforas usadas para sentidos semelhantes em outro lugar, verificar que factores (cultural, ideológico, histórico etc.) determinam a escolha dessa metáfora. Verificar também o efeito das metáforas sobre o pensamento e a prática.

EX: O discurso de Cabral não é feito na intenção de construção de um ‘eu’, mas sim da construção de uma identidade nacional. Com uma linguagem polida, o discurso reclama da dominação estrangeira usando uma estrutura frásica bem elaborada e com recurso à voz passiva, minimizando o poder do colonizador numa clara evidência de que o poder de se auto elevar pertencia ao próprio povo africano. Cabral usa um discurso directo sem recurso à metáforas que poderiam provocar algumas dúvidas de interpretação.

Destacaremos algumas concepções de hegemonia aceitas por Fairclough (2001: 122):
a) É tanto liderança como exercício do poder em vários domínios de uma sociedade (económico, político, cultural e ideológico).
b) É, também, a manifestação do poder de uma das classes economicamente definidas como fundamentais em aliança com outras forças sociais sobre a sociedade como um todo, porém nunca alcançando, senão parcial e temporariamente, um ‘equilíbrio instável’.
c) É, ainda, a construção de alianças e integração através de concessões (mais do que a dominação de classes subalternas).
d) É, finalmente, um foco de luta constante sobre aspectos de maior volubilidade entre classes (e blocos), a fim de construir, manter ou, mesmo, a fim de romper alianças e relações de dominação e subordinação que assumem configurações económicas, políticas e ideológicas.
Ideologia, a partir dessa visão de hegemonia, é “uma concepção do mundo que está implicitamente manifesta na arte, no direito, na actividade económica e nas manifestações da vida individual e colectiva” (GRAMSCI apud FAIRCLOUGH, 2001: 123).

EX: Cabral tem como ideologia que o povo africano já tinha atingido um grande desenvolvimento durante o seu processo histórico e de que tentativa do colonizador de dominar culturalmente o seu povo era, também, uma tentativa de negar o contributo de África para o desenvolvimento mundial.

A Análise
Não há um consenso sobre onde iniciar a análise de um texto, se ao nível dos componentes linguísticos, isto é, o texto em si, e das práticas discursivas envolvidas, ou se ao nível das práticas socioculturais associadas ao uso do texto, sendo possível iniciar com qualquer um desses níveis.


O importante é produzir conhecimento.


Texto elaborado a partir do trabalho:
ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO, UMA PROPOSTA PARA A ANÁLISE CRÍTICA DA LINGUAGEM - Cleide Emília Faye Pedrosa (UFS)

daivarela

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