Se você quer saber porque um vírus da gripe é mais perigoso do que outro, veja este outro texto.
O que é a gripe suína, e porque ela pode ser muito perigosa? Resposta em 8 etapas:
1 - O que é o vírus da gripe e o que quer dizer H1N1?
2 - Qual o perigo de um vírus diferente?
3 - E como é o vírus suíno?
4 - Por que a gripe suína é perigosa?
5 - Como está a situação atual?
6 - Qual o risco de uma pandemia?
7 - Quais defesas nós temos contra o vírus?
8 - Atitudes individuais que podem ajudar.
1 - O que é o vírus da gripe e o que quer dizer H1N1?
Existem 3 tipos de influenza, o vírus que causa a gripe, o A, B e C. O influenza A é o mais variável e que causa mais estragos todos anos. Ele tem 8 pedaços de RNA (RNA mesmo, não é DNA) dentro de uma cápsula. Duas proteínas deles são mais importantes para entendermos. Uma é chamada de Hemaglutinina, fica do lado de fora do vírus e serve para fazer contato com a célula. Como ela se liga em células, quando o colocam o vírus em uma gota de sangue, os glóbulos vermelhos ficam aglutinados (hemo aglutinina, hemaglutinina). A outra é a Neuraminidase, ela quebra os açúcares onde a hemaglutinina se liga para liberar os vírus recém formados.
Como a hemaglutinina e a neuraminidase ficam para fora do vírus, são as proteínas mais reconhecidas por anticorpos e usadas nos testes de diagnóstico. Por isso as linhagens de influenza são nomeadas pelas letras HN, como H1N1, H3N2, de acordo com o tipo de cada uma.
São conhecidos 16 tipos de Hemaglutinina e 9 de Neuraminidase. Só alguns são frequentes em seres humanos, H1, 2 e 3 e N1 e 2. Todos os outros são encontrados em aves aquáticas, principalmente patos, que são o reservatório natural do Influenza A. As aves migratórias misturam os vírus em escala mundial pois nelas a gripe não causa sintomas, e infecta o sistema digestivo ao invés do respiratório. Quando param em lagos para comer durante a migração, defecam e a água fica forrada de influenza. Num lago com água fria o vírus chega a durar 30 dias. Os mais perigosos, que matam mais galinhas e pessoas quando transmitidos, são os H5 e H7. [1]
Microscopia eletrônica do vírus influenza
2 - Qual o perigo de um vírus diferente?
O motivo para não sermos imunes ao influenza A depois de uma gripe é que o vírus muta muito [2]. Dois fenômenos são importantes, o drift, onde o vírus acumula pequenas mutações nos genes H e N, suficientes para no ano seguinte nosso sistema imune não reconhecer o vírus. Mais importante (e mais frequente do que se imaginava) é o shift. O shift acontece quando dois influenza diferentes entram na mesma célula e ao saírem misturam seus cromossomos, e dos oito pedaços que levam, alguns são do vírus x e outros do y. Quando isso acontece, o vírus muda abruptamente e nosso sistema imune fica completamente despreparado. É o que faz com que vacinas falhem. Na verdade, existe um atraso entre coletar o vírus e produzir a vacina, de maneira que todo ano temos que estudar o vírus e tentar prever qual vai ser a forma mais importante na epidemia.
As maiores epidemias recentes de gripe ocorreram quando houve rearranjo entre o vírus humano e o vírus aviário, como na gripe asiática de 1957 (H2N2) e Hong Kong 1968 (H3N2). o vírus da gripe espanhola, é H1N1 e aparentemente saltou direto dos patos para o ser humano, sem rearranjo [3]. Quem intermedia o rearranjo, contraindo o vírus humano e aviário? Os porcos e galinhas.
Isso explica porque a maioria das pandemias de gripe começa na Ásia. Imagine mercados populares lotados de gente, onde se vendem em barracas patos, patos selvagens, galinhas, gansos e porcos. Soma a isso a técnica de alimentação dos porcos, onde eles colocam a gaiola dos patos e das galinhas em cima da dos porcos, e dão comida apenas para as aves. Isso gera as condições ideais para o surgimento de vírus aviários infectando humanos.
3 - E como é o vírus suíno?
O vírus mais comum em porcos é o tipo H1N1. São várias linhagens diferentes circulando na Europa, Ásia e nas Américas, e nenhuma delas é próxima da linhagem da Gripe Espanhola.
Este vírus que infectou pessoas no México e na Califórnia foi sequenciado por uma equipe canadense.
O vírus H1N1 é um rearranjo de duas cepas suínas, uma que circula nas Américas e outra que circula na Europa. Não há genes do vírus aviário ou de alguma cepa humana.
4 - Por que a gripe suína é perigosa?
Os porcos e as aves domésticas são os "atravessadores" dos vírus que circulam em aves migratórias para os seres humanos. Por isso os vírus que eles nos transmitem são perigosos, por serem muito diferentes do que nosso sistema imune encontra normalmente. Além de poderem ser um ponto de rearranjo entre um vírus diferente e um vírus adaptado ao ser humano.
Aparentemente, o que impede o H5N1 (Gripe Aviária) de ser transmitido de humanos para humanos, é o receptor celular que o vírus usa. Até hoje, H5N1 só foi transmitido de aves para seres humanos (uma possível exceção é uma transmissão entre mãe e filha, mas o contato entre elas foi intenso) porque o vírus infecta melhor o sistema respiratório e digestivo das aves do que o humano.
O perigo é que, as células do sistema respiratório dos porcos são mais parecidas com as nossas, de forma que um vírus adaptado ao porco teoricamente pode ser transmitido entre humanos do que um vírus aviário. [4]
Outro fator preocupante é que o vírus da gripe suína atual tem infectado principalmente jovens. Normalmente, crianças e idosos sofrem de gripe. O padrão de vírus agressivo que ataca jovens, com o sistema imune bem saudável, lembra muito o da Gripe Espanhola de 1918.
5 - Como está a situação atual?
Nos Estados Unidos, até agora (25/04/2009) foram confirmados 11 casos, todos de gripe forte, mas nenhum fatal.
Já no México, são três eventos separados:
Um começa em 18 de março no Distrito Federal do México, a capital do apís, e até 23 de abril são mais de 850 casos de pneumonia, dos quais 59 morreram.
Em São Luis Potosi, região central, são 24 casos com 3 mortes.
Em Mexicali, próximo dos EUA, são 4 casos e nenhuma morte.
6 - Qual o risco de uma pandemia?
Este não é o primeiro surto de Gripe Suína. O surto mais importante aconteceu em Fort DIx, um acampamento militar americano, em 1976, e ensinou uma grande lição para as entidades de saúde. Na época, esperava-se um grande surto de Influenza, e tudo indicava que o vírus da gripe suína que estava atacando os jovens militares poderia ser o responsável. A pressão de 500 pessoas doentes e uma morte fez com que decisões erradas fossem tomadas, e iniciou-se uma vacinação em massa nos EUA com consequências drásticas. Recomendo a leitura do livro A Próxima Peste, de Laurie Garret, que explica em detalhes esta ocasião.
O ponto é, a OMS (Organização Mundial de Saúde), órgão responsável entre outras coisas por monitorar surtos de gripe pelo mundo, não trabalha com SE teremos uma pandemia de gripe, trabalha com QUANDO teremos. Com o tamanho de população que atingimos, e a facilidade de transporte que temos atualmente, é muito provável que uma linhagem perigosa de influenza cause um grande estrago. Seja essa pandemia causada pelo vírus da gripe aviária, suína ou qualquer outro.
Aqui uma parte nada animadora da lista de 10 itens sobre a Pandemia de Gripe da OMS:
Estamos à beira de um surto. Todos os países serão afetados. Os suprimentos médicos serão inadequados. Vão ocorrer muitas mortes. O rompimento econômico e social será enorme.
A OMS tem uma escala de alerta mundial que vai de 1 a 6 , 1 tudo tranquilo, não existe nenhuma doença perigosa, 6 fudeu tudo a coisa está complicada, a pandemia está correndo solta. Estamos no estágio 3, existe uma doença mas por enquanto não circula por contágio pessoa a pessoa. Ainda não houve motivos suficientes para passarmos para o nível 4, onde há transmissão entre humanos frequente.
7 - Quais defesas nós temos contra o vírus?
Existem poucos remédios antivirais porque os vírus usam as células para se reproduzir, possuem pouca coisa própria, ao contrário das bactérias. No caso do influenza, existem os inibidores da neuraminidase, que impedem o vírus de se liberar da célula, como a Amantadina e o Tamiflu. Mas, o vírus muta e desenvolve resistência facilmente a essas drogas, e não se sabe qual a facilidade disso acontecer com o H1N1.
A linhagem atual é resistente a Amantadina e Rimantadina, mas suscetível a Tamiflu e Oseltamivir.
Outra defesa são as vacinas. Elas são a forma mais barata e rápida de se proteger da gripe. O problema está na agilidade de desenvolver uma vacina para o vírus certo e em tempo hábil para distribuir a população. E existe uma ordem de prioridades na vacinação. Primeiro pessoas em situação chave, como funcionários do governo, médicos, depois pessoas mais suscetíveis, como idosos e crianças, e por último a população como um todo.
8 - De qualquer forma, há atitudes individuais que podem ajudar:
Lave bem as mãos, e frequentemente. Ao contrário do que se imagina, é mais fácil contrair o Influenza com um aperto de mão do que com um beijo no rosto. Se alguém resfriado espirra com a mão na frente da boca, e damos a mão a esta pessoa, podemos colocar a mão em contato com o olho e nariz, e contrair o vírus. Ou seja, lave bem as mãos, regularmente, e se estiver gripado, cubra o espirro com um lenço e jogue fora.
Evite aglomerações e locais fechados, principalmente com ar-condicionado. O Influenza dura mais tempo no ar em clima seco e frio, e um lugar fechado com ar-condicionado mistura várias pessoas em condições propícias para o vírus. [5]
E como bem disse o Carlos, DON'T PANIC!
Recomendo:
The Coming Plague: Newly Emerging Diseases in a World Out of Balance de Laurie Garret. Um livro bem completo, que entre outras coisas trata da gripe espanhola, da gripe suína de 1976 e das perspectivas.
Potter, C.W. "A history of influenza." Journal of Applied Microbiology 91, no. 4 (2001): 572-579. DOI: /10.1111/j.1365-2672.2001.01492.x.
Fontes (além dos links que já estão no texto):
[1] Webster, R G, W J Bean, O T Gorman, T M Chambers, e Y Kawaoka. "Evolution and ecology of influenza A viruses." Microbiological Reviews 56, no. 1 (Março 1992): 152-179.
[2] Drake, J W. "Rates of spontaneous mutation among RNA viruses." Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America 90, no. 9 (Maio 1, 1993): 4171-4175.
[3] Reid, Ann H., Thomas G. Fanning, Johan V. Hultin, e Jeffery K. Taubenberger. "Origin and evolution of the 1918 "Spanish" influenza virus hemagglutinin gene." Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America 96, no. 4 (Fevereiro 16, 1999): 1651-1656.
[4] Suzuki, Yasuo. "Sialobiology of influenza: molecular mechanism of host range variation of influenza viruses." Biological & Pharmaceutical Bulletin 28, no. 3 (Março 2005): 399-408.
[5] Lowen, Anice C, Samira Mubareka, John Steel, e Peter Palese. "Influenza Virus Transmission Is Dependent on Relative Humidity and Temperature." PLoS Pathog 3, no. 10 (Outubro 19, 2007): e151.
Meu nome é Atila Iamarino,
sou biólogo e doutorando em evolução de HIV-1.
Apaixonado por ciência e viciado em informação.