O verdadeiro impacto que tem a televisão sobre a nossa forma de actuar e pensar deveria ser buscada na sua presença massiva, omnipresente e indiscreta das imagens transmitidas pela TV. O mundo se faz presente à nossa vista como uma sucessão de imagens a serem gravadas e o que não pode ser gravado em imagens, não pertence a este mundo.
Como é costume culpar o mensageiro pelos males da mensagem e porque a maioria das mensagens actualmente chegam através da televisão, há boas razões para se supor que seguiremos culpando a TV pelos males do mundo em que habitam tanto os produtores de TV como os espectadores dos programas que eles produzem. Se a TV guia o mundo, é porque o segue: se é capaz de disseminar novos padrões de vida, é porque reproduz estes padrões como eles são. Tentar mudar a maneira de ser da TV não exige outra coisa que não seja mudar o próprio mundo.
Desde o começo da invasão que o impacto do novo meio de comunicação sobre a vida dos seres humanos e suas interacções tem oscilado entre um ponto de vista casandriano e panglosiano.
Os casandrianos vêem a televisão como o próximo grande passo no caminho para o totalitarismo que a sociedade tem seguido desde o começo dos tempos modernos. A “arma maravilhosa” e irresistível de empobrecimento intelectual, lavagem cerebral, doutrinamento e imposição de um conformismo irreflexivo, comandada pelos que detêm o controlo das câmaras de TV contra os espectadores sentados à frente do ecrã dos seus televisores.
Os panglosianos receberam-no como o próximo grande passo no caminho da emancipação que a humanidade têm seguido desde o grande despertar que se chamou de Ilustração: se o saber é poder, e o ecrã é a vitrina através da qual se pode contemplar as jóias da coroa do conhecimento humano, a TV é, ou está destinada a ser, uma das armas mais poderosas para a liberdade individual na construção da sua auto afirmação.
Entretanto, há um ponto em que os antagonistas mostram-se de acordo: a TV, de igual forma que os outros meios, não é mais do que uma maneira de tornar realidade aquilo que os seres humanos, individual ou colectivamente, sempre quiseram fazer, só que até ao momento não dispunham de tempo, dinheiro, ferramentas ou conhecimentos necessários para fazerem à semelhante escala, ou com consequências tão profundas como as que desejavam suscitar.
À Marshall McLuhan corresponde o crédito de ter sido o primeiro a abrir uma brecha no marco cognitivo que os antagonistas haviam criado conjuntamente. A descoberta de que “o meio é a mensagem”desviou a atenção do conteúdo do argumento, da percepção e retenção.A brecha logo viria a ser ampliada pela inversão fundamental, estabelecida por Elihu Katz sobre a suposta relação entre a “realidade” e sua “representação mediática”: pelo seu descobrimento de que os acontecimentos existem somente quando são “vistos pela TV”. A partir daí, havia só um passo para o simulacro de Jean Baudrillard, que deitou por terra a distinção entre realidade e ficção, entre o “verdadeiro” e sua representação, entre o “dado” e o “inventado”. O simulacro é hiperreal, uma presença mais real que a própria realidade, dado que é uma espécie de realidade que não permite o “por fora”, a partir da qual se poderia examinar, criticar e censurar.
daivarela (tradução livre da versão espanhola)
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