domingo, fevereiro 08, 2009

Papos




- Me disseram…
- Disseram-me.
- Hein?
- O correcto é “disseram-me”. Não “me disseram”.
- Eu falo como quero. E te digo mais… ou é “digo-te”?
- O quê?
- Digo-te que você…
- O “te” e o “você” não combinam.
- Lhe digo?
- Também não. O que você ia me dizer?
- Que você está sendo grosseiro, pedante e chato. E que eu vou te partir a cara. Lhe partir a cara. Partir a sua cara. Como é que se diz?
- Partir-te a cara.
- Pois é. Parti-la hei de, se você não parar de me corrigir. Ou corrigir-me.
- É para o seu bem.
- Dispenso as suas correcções. Vê se esquece-me. Falo como bem entender. Mais uma correcção e eu…
- O quê?
- O mato.
- Que mato?
- Mata-o. Mato-lhe. Mato você. Matar-lhe-ei-te. Ouviu bem?
- Pois esqueça-o e pára-te.
- Pronome no lugar certo é elitismo!
- Se você prefere falar errado…
- Falo como todo mundo fala. O importante é me entenderem. Ou entenderem-me?
- No caso… não sei.
- Ah, não sabe? Não o sabes? Sabes-lo não?
- Não.
- Esquece.
- Como “esquece”? Você prefere falar errado?
- E o certo é “esquece” ou “esqueça”? Ilumina-me. Me diga. Ensines-lo-me, vamos.
- Depende.
- Depende. Perfeito. Não o sabes. Ensinar-me-lo-ias se o soubesses, mas não sabes-o.
- Está bem, está bem. Desculpe. Fale como quiser.
- Agradeço-lhe a permissão para falar errado que mas dás. Mas não posso mais dizer-lo-te o que dizer-te-ia.
- Por quê?
- Porque, com todo este papo, esqueci-lo.

Luís Fernando Veríssimo, “Comédias para se ler na escola”.

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